Morrissey solta a voz

Interview by Carlos Albuquerque
O Globo newspaper (Brazil), Apr. 2, 2000



Com Morrissey, � sim ou n�o. Sim, ele est� a caminho e, depois de passar por Porto Alegre, Curitiba e S�o Paulo, canta nesta quarta-feira no Rio (no ATL Music Hall), superando um medo hist�rico: o de vir ao Brasil e ser ignorado pelo p�blico, apresentando-se para plat�ias vazias. Sim, vai tocar algumas m�sicas da sua ex-banda, Smiths. N�o, n�o tem gravadora no momento, e est� feliz assim ("As gravadoras jamais me ajudaram"). N�o, n�o quer mais enforcar os DJs (como cantava em "Panic"). E n�o, no, please, nem pense em oferecer um hamb�rguer ou um cachorro-quente ao mo�o, que, sim, � um vegetariano radical (a ponto de "sugerir" que os locais onde vai tocar no Brasil n�o vendam carne durante os shows).

Ah, sim, de vez em quando (mas muito de vez em quando mesmo, j� que costuma fugir de entrevistas como gato foge de banho), Morrissey concorda em falar com jornalistas.

- Eu n�o tenho nada contra a imprensa em geral, mas ao longo da minha carreira j� enfrentei maus momentos com jornalistas - diz o cantor, por telefone, falando de Santiago, em entrevista exclusiva (a sua primeira para o Brasil) ao GLOBO. - Uma vez, um cr�tico do "New Musical Express" (jornal ingl�s especializado em m�sica) disse que eu estava decadente porque tinha botado um vocal de apoio feminino numa can��o. Ora, na m�sica em quest�o, a �nica voz era a minha.

O olhar agu�ado em dire��o �s cr�ticas tem raz�o de ser. Muito antes de se tornar o atual s�mbolo (sexual, inclusive) da m�sica pop, no final dos 70, em Manchester, onde nasceu, Morrissey tentou ganhar a vida como jornalista, fazendo fanzines dedicados a James Dean e ao grupo New York Dolls e escrevendo para a revista "Record Mirror". Mas a hist�ria lhe reservava um lugar nas manchetes, n�o por tr�s delas.

- � claro que tenho uma vis�o bem cr�tica da cr�tica. No geral, por�m, n�o me importo muito com o que dizem de mim, se gostam do meu trabalho ou n�o. O que n�o gosto � quando inventam mentiras ou fofocas sobre a minha vida particular.

Mas mesmo que prefira n�o dizer abertamente, Morrissey sabe o quanto � dif�cil escapar das aten��es da imprensa - principalmente a sensacionalista - tendo sido vocalista, letrista e cabe�a pensante dos Smiths, uma das melhores bandas inglesas da d�cada de 80 (para muita gente, uma da melhores bandas inglesas de todos os tempos).

Embora n�o goste muito de falar de sua ex-banda ou do ex-parceiro, o guitarrista Johnny Marr, Morrissey tem tocado algumas m�sicas dos Smiths na atual turn�, como "Last night I dreamt that somebody loved me" e "Is it really so strange".

- N�o vejo problema. Sinto-me � vontade tocando essas m�sicas porque elas n�o s�o s� dos Smiths. Elas s�o minhas.

Morrissey tamb�m tem inclu�do nos shows atuais outra m�sica dos Smiths, "Meat is murder" (carne � assassinato), que se tornou uma boa desculpa para a sua atitude radical contra a carne nos lugares onde toca. Ele mesmo se explica. Ou tenta...

- Essa hist�ria realmente � verdadeira - conta. - N�o penso nela como uma proibi��o, mas como uma postura pessoal minha. Realmente soa estranho estar cantando "Meat is murder" enquanto o bar est� vendendo um hamb�rguer atr�s do outro. Por isso, sugeri que n�o vendessem qualquer tipo de carne durante minhas apresenta��es. No M�xico, a sugest�o foi aceita e isso me deixou feliz. Mas n�o imagino como ser� no Brasil.

Ex-vocalista dos Smiths ataca as gravadoras
 

Mesmo cultuado em todo o mundo, mesmo tendo influenciado boa parte do rock brasileiro dos anos 80 (incluindo a� gente como Renato Russo, Alvin L., e grupos como Hojerizah e Capital Inicial), Morrissey diz que tinha medo de vir ao Brasil (e � Am�rica do Sul), numa turn� tantas vezes anunciada e somente agora confirmada, e dar de cara com casas cheias de... lugares vazios.

- Eu juro que temia um pouco isso. � um p�blico novo para mim e n�o sabia o que encontrar pela frente - explica. - Mas, sim, agora acho que estava me preocupando em v�o. A recep��o tem sido �tima e aqui no Chile tem gente h� dias na fila do est�dio para conseguir um bom lugar.

No meio dessa adora��o toda, o que chama a aten��o � o fato de que Morrissey n�o tem contrato com nenhuma gravadora e n�o lan�a um disco novo h� quase cinco anos. Fica a d�vida: em tempos de Internet e de MP3, Morrissey precisa de uma gravadora ou as gravadoras � que precisam de um astro como Morrissey?

- N�o sei. Apenas digo uma coisa: eu nunca pude contar com uma gravadora para coisa alguma na minha vida - desabafa. - As gravadoras jamais me ajudaram. Nunca soube o que � ter apoio de uma gravadora. No geral, elas tratam os artistas como coisas descart�veis. Parece que se preocupam apenas com o sucesso imediato e n�o com uma carreira. E agora, com as mudan�as causadas pela Internet, as gravadoras, pela primeira vez, est�o se sentindo amea�adas.

Curiosamente, ele n�o tem um site oficial na rede. Apenas um endere�o (www.morrissey-solo.com) que re�ne informa��es passadas por f�s do mundo inteiro e que funciona como um zine virtual.

- Me falta tempo para me dedicar a um site oficial, mas em breve vou resolver isso.

Ainda no terreno das novidades, ser� que Morrissey ainda acha que faz sentido a letra de "Panic", aquela na qual pede que se enforque o DJ?

- Isso era apenas uma coisa simb�lica, mas confesso n�o ter simpatia pela dance music. Acho que ela destruiu o pop ingl�s. A �nica coisa que eu gosto � do Moby.

E como algu�m que escreveu o libelo anti-racista "The national front disco" v� a ascens�o do fascismo na Europa, em particular na �ustria?

- � triste. �s vezes n�o acredito que estejamos vivendo num mundo inteligente.

Morrissey, na verdade, v� esse problema � dist�ncia, j� que mudou-se da Inglaterra para os Estados Unidos h� algum tempo.

- Nunca tive apoio na Inglaterra, nem da r�dio nem da TV. Mesmo assim, sempre que toco l�, meus shows lotam.

Finalmente no Brasil, os seus planos incluem assistir a um jogo de futebol.

- Mas, por favor, n�o me considere um expert nesse assunto - confessa.



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